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Por que Dia dos Índios?

Porque dia dos Índios

O Extermínio dos Índios Brasileiros

Fato Histórico

Com a chegada dos portugueses ao Brasil, em 1500, o europeu entrou em contato com as diversas tribos indígenas que já habitavam o território brasileiro. Os dados sobre a população indígena da época são imprecisos, mas, na estimativa do IBGE, o número de indígenas na época da conquista oscilaria entre um a seis milhões de indivíduos, distribuídos em diversas tribos. A diversidade étnica e cultural era enorme e alguns registros apontam que centenas de idiomas e dialetos diferentes eram falados no Brasil nesta época.

O impacto da chegada do europeu entre os indígenas foi terrível. O contato com novas doenças como a coqueluche, a gripe e o sarampo dizimou tribos inteiras. O europeu via o índio como o bárbaro, o não civilizado e buscava incorporá-lo a sua cultura especialmente no que toca ao aspecto religioso. O esforço de cristianização dos indígenas acabou por destruir boa parte da cultura nativa e essa forma de ver o índio, como bárbaro, prevaleceu durante séculos. Após a conquista, o extermínio prosseguiu. Não do ponto de vista do extermínio físico, com a morte de centenas de indivíduos, mas também o extermínio cultural e étnico, o que nos leva à situação atual do indígena:

Distribuição da população indígena no Brasil
Número de índios Número de etnias Línguas faladas Percentual em relação à população brasileira
817.963 305 274 0,26%

Fonte: Funai, 2010.



A questão indígena sempre foi motivo de indignação e vergonha e um item ainda parece insolúvel: o problema das terras indígenas. Cabe ao estado fazer a demarcação das reservas e os critérios utilizados para isso sempre provocam dúvidas e polêmicas. Há disputas de terras entre índios e agricultores que duram 200 anos, como é o caso das terras indígenas de Roraima. De uma lado, os índios alegam a ocupação histórica da região. Por outro, os fazendeiros reivindicam as terras para o plantio e estendem suas cercas para dentro das reservas, numa prática de décadas.

Em 1910, foi criado o Serviço de Proteção ao Índios, SPI, com o objetivo de regular e administrar as demandas e necessidades dos povos indígenas. Mas somente a Constituição de 1934, elaborada na Era Vargas, no período chamado de Governo Constitucional, foi o primeiro documento oficial brasileiro a assegurar o direito dos índios à posse de suas terras. De lá para cá, mudaram as políticas, mas não a vida dos indígenas.

Em 1967, já durante o regime militar, foram constatadas diversas irregularidades no SPI, como extração ilegal de madeira dentro das reservas e o arrendamento de parte das terras indígenas para agricultores. Assim, o SPI foi extinto e em seu lugar foi criada a FUNAI, Fundação Nacional do Índio, órgão responsável, ainda hoje, pela proteção e conservação da cultura e do modo de vida dos índios.

Mas a criação da Funai não resolveu a secular disputa por terras. Na década de 70, estas disputas no norte do Brasil ganharam as manchetes dos jornais. Os conflitos entre índios e agricultores agravaram-se, terminando, em muitos casos, com diversas mortes de ambos os lados. Nesta mesma década, o compositor Caetano Veloso escreve um de seus maiores sucessos, a música Um Índio.


A Música

A canção Um Índio foi gravada pela primeira vez no álbum Doces Bárbaros, de 1976, uma obra conjunta de Caetano, Gilberto Gil, Gal Costa e Maria Bethânia. Na letra, inovadora para a época, Caetano fala não só sobre a extinção dos índios, mas também sobre o desmatamento e a destruição da natureza, demonstrando uma preocupação incomum para a época. Se hoje as palavras ecologia, reciclagem, efeito estufa e preservação fazem parte de nosso vocabulário corrente, o mesmo não acontecia nos anos 70.

Na letra, Caetano conta uma história, mesclando o novo e o antigo. O índio, preservado, fará uso das tecnologias mais avançadas para vir à terra. A imagem que o compositor utiliza para descrever o retorno do indígena reúne diversos personagens, reais e literários.

Virá, impávido que nem Muhammed Ali, virá que eu vi

Muhammed Ali é considerado o maior nome da história do boxe mundial. Nascido nos Estados Unidos como Cassius Clay, mudou seu nome em 1964, quando se converteu ao islamismo. Nos anos 70, Ali lutou a maior de suas batalhas. Os adversários eram os Estados Unidos. O boxeador recusou-se a lutar no Vietnã e o governo norte-americano decretou sua prisão, alem do pagamento de exorbitantes multas. O atleta levou o caso a público, dividindo opiniões, mas sempre marcando sua posição contra o conflito que levara milhares de jovens norte-americanos à morte. A citação de Caetano é uma homenagem ao fato de Muhammed Ali ter sempre defendido suas opiniões, alem de ser uma estrela do boxe.

Apaixonadamente como Peri, virá que eu vi

O índio Peri é personagem da obra clássica O Guarani, de José de Alencar. Na história, Peri, índio na etnia Goitacá, famosa pelos seus guerreiros, abandona seu povo por amor a Cecília, ou somente Ceci, uma branca. Peri encarna o mito do bom selvagem, com as diversas referências que Alencar faz sobre o tema. Mas, como boa parte dos romances do século XIX, a história ganha ares de Romeu e Julieta. A referência de Caetano é pela coragem e pelo arrebatamento apaixonado do índio, que tudo abandona por sua amada.

Tranquilo e infalível como Bruce Lee, virá que eu vi

Bruce Lee foi o primeiro grande mestre de artes marciais e uma estrela dos primeiros filmes de lutas. As coreografias que encantam os olhos em filmes como o Tigre e o Dragão e Matrix nasceram dos movimentos perfeitos de Bruce Lee, que virou um símbolo de sua época e sinônimo de artes marciais. Para Caetano, Bruce Lee encarna a perícia e a tranquilidade atribuídas aos orientais.

O axé do afoxé, filhos de Ghandi, virá

O último verso do refrão remete às origens baianas do compositor e à cultura afro. Na língua iorubá, afoxé é um encantamento, um feitiço, e axé quer dizer alegria, energia vital atribuída aos orixás. Por isso, o axé, além de um famoso ritmo musical, é um desejo de paz e felicidade. Ao utilizar essas expressões, entendemos que a mensagem do índio é de clareza, entendimento e esperança.

Décadas depois de ter composto Um Índio, Caetano Veloso ainda remete à causa indígena e refere-se ao extermínio como uma das características da sociedade americana. Em 2004, ao lançar o álbum de músicas em inglês “A foreign Sound”, Caetano afirmou em entrevista ao crítico de música Jon Pareles:

"Matamos índios. Nós compartilhamos um monte de coisas que os europeus não sabem. Compartilhamos aquele sentimento da América, que é o sentimento de novo mundo. Temos que pensar nesses problemas, mas acima de tudo abrir nossos corações para a beleza que foi criada nesses novos continentes, porque é uma nova experiência na civilização ocidental."

Mais de vinte anos depois de Um Índio, Caetano permanece falando sobre os problemas do continente. Mas como sempre, conseguindo ver uma luz no fim do túnel.

Seguindo a proposta de Caetano, de chamar a atenção para o fim das comunidades indígenas no Brasil, em 1981 Jorge Ben Jor – nessa época, o cantor ainda assinava apenas Jorge Bem – lançou a canção Curumim chama cunhatã que eu vou contar (Todo dia era dia de índio) , no LP Bem-vinda amizade. A música aproveitou os ares de abertura política – a palavra de ordem dos anos 80 foi anistia política – e fez sucesso na voz de Baby Consuelo.

Um Índio

Caetano Veloso

Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul, na América, num claro instante
Depois de exterminada a última nação indígena
E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias
Virá, impávido que nem Muhammed Ali, virá que eu vi
Apaixonadamente como Peri, virá que eu vi
Tranqüilo e infalível como Bruce Lee, virá que eu vi
O axé do afoxé, filhos de Ghandi, virá
Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás e todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor, em gesto e cheiro
Em sombra, em luz, em som magnífico
Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Do objeto, sim, resplandecente descerá o índio
E as coisas que eu sei que ele dirá, fará, não sei dizer
Assim, de um modo explícito

(Refrão)
E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos, não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio



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